30 de out. de 2024

A Calada da Noite - Um Conto de Halloween

"Quando aprendemos o que nos causa medo, aprendemos quem nós somos" Guillermo Del Toro.

Era uma noite de céu limpo, sem nuvens, eu e minha namorada estávamos numa viagem de carro para visitarmos os pais dela no interior, estava com o rádio ligado na estação FM, a estrada tava vazia, me senti menos preocupado em olhar para minha namorada e dar mais atenção ela no assunto, isso pôde me confortar enquanto eu tava ansioso naquele escuro que eu só via a Lua, os postes e o pouco que o meu carro iluminava.
Virei a curva para a cidade que a gente precisava ir, comecei a desacelerar à medida que chegava às ruas dela, e eu visito a casa dos sogros junto com a namorada, eles foram gentis comigo, o meu sogro ainda era rígido comigo pois ele ainda vê a filha como alguém mais vulnerável que ele tivesse que proteger, talvez algo como um dragão de seu tesouro, eu não sou perfeito, até brigamos uma vez, mas pude convencê-lo, já a sogra eu não tenho o que comentar, ela fica muito na tela, e ela é muito tranquila, um contrapeso.
Porém, o sogro ficou olhando pra janela, olhando pro céu, enquanto parecia... assustado, antes ele ficava muito de cara fechada comigo, ou sorrindo com os colegas de trabalho, mas ele parecia tar em choque, como se tivesse visto algo errado, eu tentei ajudar ele, mas ele me afastou, e avisou que era pra eu não sair da casa até amanhecer, assim como ele depois de sair do transe teve que trancar as portas e foi jantar junto conosco, uma preze eles faziam pra agradecer por terem comida na mesa, eu sem opções resolvi orar com eles, mas era meio estranho.
"Obrigado, Ceuci Itaiauara, por dar-nos essa terra, por dar-nos essas frutas e essa carne, obrigado, Ceuci Itaiauara, por dar-nos força pra aproveitá-las"
Ceuci Itaiauara? É uma entidade local? Bem, tava até com medo de questioná-los, pois não sabia o que iriam responder, a comida estava ótima, como as batatas, o frango e o milho, eles até que comiam muito antes de dormir, mas nem me importei, meu sono foi ruim, mas foi uma maravilha a refeição. De manhã, eu e a minha namorada passeamos pela cidade, e conhecemos alguns que eu lembro de relance, mas a namorada aparenta saber desde a infância.
Porém, tão perto do meio dia, quando eu estive conversando com três ex-colegas de sala dela, o grupo falava casualmente do desaparecimento de quem era pra ser o quarto na roda, ou quinto se eu for incluso, ou sexto se contar a namorada minha.
Não entendi o que queriam dizer, até achei que o que ouvia naquela noite não tivesse a ver, mas tinha, eram gritos horríveis o que ouvimos lá, e o que os garotos contaram é que esse outro tivesse sido devorado por um Cachorro Mor. Questionei o que era aquili, e me contaram do que se tratava como se fosse só mais um conto.
Um velho da mesma cidade, num outro século, apanhava cachorros das ruas, os abatia, a carne virava seu almoço e a pele virava tapetes e jaquetas, porém, eram cães de rua, sem dono, ninguém se importou, até que ele fez com o cachorro de um barão da cidade quando era vila, o condenaram a um espancamento, o velho não se deixou por vencido, e sequestrou a filha com a qual começou a se deitar sobre ela à força.
O barão descobriu, e então, o espancaram mais, o decapitaram, e incendearam a cabeça, enquanto a filha recitou premonições de que elesentiria 7 noites no Inferno como 7 anos, mas 42 dias depois, alguém velho tão parecido com aquele lá, aparecia eventualmente nas ruas, andava torto em pé, preferia andar de quatro, deitava enrolado e uifava quando recebia uma moeda, enquanto de noite, algo estranho aparecia, e podia atacar homens, mulheres e crianças, eu achei que era por terem feito algo de errado, mas me calaram de discordaram.
Cachorro Mor perseguia aqueles que andassem no escuro da noite, pelo que se sabe evitava grandes grupos, preferia aqueles mais sozinhos, um deles diz que o avô dele sobreviveu a um ataque desse ser. O Cachorro Mor começava comendo os membros exteriores, como os braços ou as pernas, esse avô perdeu o pé direito e a mão direita, o monstro depois abriria a barriga para depois devorar os órgãos, o que há a entender por palavra daquele colega que o Cachorro Mor não conseguiu, ele não contou o resto, ele não sabia, mas quem sabe, essa fera tenha evitado lutar.
Eu fiquei com medo pensando na tortura, enquanto almoçava a galinhada de hoje com dificuldades de engolir, eu me sentia... que tava devorando pedaço por pedaço do que um dia foi aquela tal galinha, enquanto minha namorada tentava me acordar da paranoia, e o sogro ficava sem entender. 
Talvez eu só precisasse me confortar, a sogra me guiou e deixou assistir à TV junto com o meu cunhado e seu filho, por essa eu não esperava, o irmão da minha namorada, por parte de outra mãe, já tinha um filho, e quando conversei com ele, disse que era só o terceiro, quem sabe há um deus da fertilidade aqui, porque eu com três meses sérios com a minha namorada não preparei nem o meu casamento. De qualquer forma, era uma animação boba de Três Porquinhos passando num programa de Sábado.
Como sempre, um porco preguiçoso faz a casa de palha, um mediano a de madeira e outro mais dedicado a de tijolos, o lobo sopra a casa de palha, e ele devora o porco, mesmo de forma engraçada, com ele devorando o porco inteiro sem violência, isso me pegou de surpresa, era algo novo pra mim, mas enfim, o lobo sopra a casa de madeira, também engole o porco, ele não consegue soprar a casa de tijolos, o porco ria, mas então, ele esperava uma quinta personagem aparecer: uma porquinha mais nova e mais baixa, filha do porco da casa de tijolos, vestindo um vestido e um capuz vermelhos.
O lobo convence a porquinha a ir pra um caminho errado, acho que essa parte era mais familiar, enquanto o lobo chegava mais rápido à casa de tijolos, e o porco da casa de tijolos deixou a porta aberta, o lobo aproveita e entra na casa, o porco o flagra, e uma luta inicia, a porquinha chega tarde, e ficava com medo, o lobo que havia levado uma surra tentava ir à porquinha, mas o porco segura o lobo pelo rabo, e com dificuldade, o joga no caldeirão, o lobo derretia, um pouco mais graficamente, com detalhes em vermelho entre a pele e os simplificados ossos, mas então, o lobo era dissolvido, e servido, o desenho acabava.
No fim da tarde, me mandaram comprar creme de leite, alguns molhos e mais frango. Por que comem tanto frango nessa casa? Enfim, entrando no mercado e fazendo compras foi tudo normal, porém, não tinha frango, tentei compensar comprando bacon e salsicha,não usei meu carro pra ir e não chamei carona, já estava de noite, o caixa até me avisou dizendo "Volte sempre, e não ande longe dos postes, é o que você tem na falta de estrelas", eu já entendi a segunda frase, mas não entendi a terceira, mesmo que me desse medo.
Eu, com a sacola numa mão, e outra mão no bolso ocupada pra um canivete, tentei andar sob os postes, me sentia enganado, e se isso me deixasse mais vulnerável? Eu tô refletindo luz praticamente, e no meio de muros e casas tão comuns, com as vizinhas me saudando quando me viam, eu me sentia tranquilo, mas eu esqueci o caminho que tomei, quatro quarteirões, quatro malditos quarteirões eram o suficiente para me perder.
Eu vi numa esquina um par de muros de tijolos vermelhos, com um portão de grades que não sei que cor era, haviam olhos atrás daquilo. Se eu correr, aquilo me pega mesmo que eu tente, se eu ficar, ele me devora sem eu me defender, eu andei, não tirando aquilo do meu campo de visão, eu tentei não piscar, mas quando pisquei, o rosto parece ter se mexido, e algo que parece uma pata saía do portão, eu corri, corri, e corri, algo que parecia um humano imitando um uifo enquanto sofria sérias dores ecoava mesmo comigo muito longe, eu achei a casa que tava procurando, mas tava tão longe, eu tiro a caixa de salsichas e jogo elas pra trás, aquele ar estranho e quente parecia parar de me seguir, o isopor da caixa caía quando eu havia soltado pelo desespero.
Eu batia com força no portão e gritava, ouvia eles discutindo se podiam abri-la pra mim, e eu tinha que dar tempo deles concordarem, aquele bicho era alto, muito magro, parecia um cão vira-lata gigante, de pelo cinza que brilhava como prata sob a Lua, os olhos azuis brilhavam como se eu visse de perto, ele galopava em minha direção, eu penso nas minhas escolhas, sobre quando eu quebrei o porcelanato da minha mãe na infância, sobre meus amigos delinquentes e minhas covardias contra os alunos da frente no colegial, sobre como eu fiz minha namorada chorar por ter falado mal do meu sogro, mas quem sabe, é isso, aquilo ficava cada vez mais perto, e mais perto, eu puxo o canivete e ouço a maçaneta.

Fim!